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segunda-feira, 25 de novembro de 2013
segunda-feira, 11 de novembro de 2013
sábado, 9 de novembro de 2013
CURSO DE COORDENAÇÃO
AULA DO DIA 09 DE NOVEMBRO DE 2013
TEXTO SOBRE AULAS COLABORATIVA.
AULA DO DIA 09 DE NOVEMBRO DE 2013
TEXTO SOBRE AULAS COLABORATIVA.
Entendendo
o trabalho colaborativo em
educação
e revelando seus benefícios1
Understanding
collaborative work in
education
and revealling its benefits
Magda
Floriana Damiani*
RESUMO
Este
trabalho tem como objetivo discutir e afirmar a importância do
desenvolvimento
de atividades colaborativas nas escolas. O texto está
baseado
em ampla revisão de literatura voltada para: a teorização acerca
dos
processos psicológicos envolvidos nesse tipo de atividades, com
base,
principalmente,
na psicologia sócio-histórica; e a análise dos resultados de
diferentes
investigações que enfocaram as atividades colaborativas entre
professores
e estudantes, de maneira a retirar delas algumas conclusões
úteis
para o trabalho em Educação. A revisão foi realizada com base em
pesquisas
publicadas em livros, artigos de periódicos, teses, dissertações
e
anais de eventos tradicionais da área, no Brasil e em outros países.
Ela
inclui,
também, pesquisas desenvolvidas no âmbito do projeto “Trabalho
colaborativo
em Educação: desenvolvimento e benefícios”, coordenado pela
autora
deste texto, que vem se dedicando, nos últimos cinco anos, a
estudar
a
temática. O texto não tem a pretensão de constituir-se em um
“estado
da
arte” sobre o trabalho colaborativo, sendo possível, inclusive,
que não
inclua
resultados de investigações consideradas fundamentais por outros
pesquisadores.
Devido à extensão da produção relacionada ao assunto, sua
revisão
exaustiva seria tarefa infindável. Assim, apresenta dados de
estudos
considerados
metodologicamente sólidos e teoricamente relevantes que
foram
reunidos com o objetivo de resumir e divulgar, pelo menos em parte,
o
conhecimento já produzido sobre a importância do trabalho
colaborativo
na
Educação.
Palavras-chave:
trabalho colaborativo, trabalho docente, aprendizagem,
psicologia
sócio-histórica.
1
O trabalho recebeu auxílio por parte do CNPq (financiamento, bolsa
de produtividade e
bolsas
de iniciação científica) e da FAPERGS (bolsa de iniciação
científica).
*
Doutora em Educação pelo Institute of Education, University of
London. Docente do Pro-
grama
de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação,
Universidade Federal de Pelotas
(RS)
E-mail: magda@ufpel.tche.br.
Educar,
Curitiba, n. 31, p. 213-230, 2008. Editora UFPR
213Damiani,
M. F. Entendendo o trabalho colaborativo...
ABSTRACT
The
paper has the aim of discussing and asserting the importance of
collaborative
activities in schools. It has been based on a wide range
literature
reviews directed to: a) theorizing about the psychological
processes
involved in these activities, guided mainly by Socio-historic
psychology;
and b) analyzing the results of different investigations that
focused
on collaborative activities among teachers and students, in order to
draw
some useful conclusions about the area of education. The review was
carried
out with the help of research reports published in books, journals,
theses,
dissertations and annals of traditional events in Brazil and other
countries.
It also includes the results of investigations taken place within
the
research project “Collaborative work in Education: development and
benefits”,
coordinated by the author, who has been dedicated to this study
of
collaborative work for the last five years. The text is not intended
to
constitute to be “state of the art” about the subject. It might
even
fail
to include findings of investigations considered important by other
researchers.
Due to the extent of the production related to this topic, its
complete
revision would be never-ending. Therefore, the paper presents
pieces
of works considered to be methodologically sound and theoretically
relevant
and have been collected with the aim of summarizing and
publicizing,
at least in part, the knowledge produced about the importance
of
collaborative work in Education.
Key
words: collaborative work, teacher work, learning, Socio-historic
psychology.
O
que se entende por trabalho colaborativo
Segundo
Parrilla (1996, apud ARNAIZ, HERRERO, GARRIDO e DE
HARO,
1999), grupos colaborativos são aqueles em que todos os componentes
compartilham
as decisões tomadas e são responsáveis pela qualidade do que é
produzido
em conjunto, conforme suas possibilidades e interesses.
Os
estudos voltados para o trabalho em grupo adotam, alternadamente ou
como
sinônimos, os termos colaboração e cooperação para designá-lo.
Costa
(2005)
argumenta que, embora tenham o mesmo prefixo (co), que significa
ação
conjunta, os termos se diferenciam porque o verbo cooperar é
derivado
da
palavra operare – que, em latin, quer dizer operar, executar, fazer
funcionar
de
acordo com o sistema – enquanto o verbo colaborar é derivado de
laborare
– trabalhar,
produzir, desenvolver atividades tendo em vista determinado fim.
214
Educar,
Curitiba, n. 31, p. 213-230, 2008. Editora UFPRDamiani, M. F.
Entendendo o trabalho colaborativo...
Assim,
para esse autor, na cooperação, há ajuda mútua na execução de
tarefas,
embora
suas finalidades geralmente não sejam fruto de negociação conjunta
do
grupo,
podendo existir relações desiguais e hierárquicas entre os seus
membros.
Na
colaboração, por outro lado, ao trabalharem juntos, os membros de
um grupo
se
apóiam, visando atingir objetivos comuns negociados pelo coletivo,
estabe-
lecendo
relações que tendem à não-hierarquização, liderança
compartilhada,
confiança
mútua e co-responsabilidade pela condução das ações.
Fullan
e Hargreaves (2000), ao estudarem as características que as cultu-
ras
de trabalho conjunto podem adquirir nas escolas, apontam que “a
simples
existência
de colaboração não dever ser confundida com a consumação de uma
cultura
de colaboração” (p.71, no original). Eles descrevem formas
alternativas
de
colaboração que, apesar de envolverem trabalho conjunto, não
constituem
culturas
colaborativas por apresentarem subgrupos em disputa, ações conjun-
tas
apenas ocasionais ou ações reguladas de maneira diretiva pela
direção das
instituições.
Torres,
Alcântara e Irala (2004) salientam que, apesar de suas diferenças
teóricas
e práticas, ambos os termos (cooperação e colaboração) derivam
de dois
postulados
principais: rejeição ao autoritarismo e promoção da socialização,
não
só
pela aprendizagem, mas, principalmente, na aprendizagem. Eles
argumentam
que
a colaboração pode ser entendida como uma filosofia de vida,
enquanto que
a
cooperação seria vista como uma interação projetada para
facilitar a realização
de
um objetivo ou produto final.
Contribuições
da Psicologia para o entendimento
dos
processos envolvidos no trabalho colaborativo
Vygotsky
(1989) é um dos autores que vem embasando um grande número
de
estudos voltados para o trabalho colaborativo na escola. Ele
argumenta que as
atividades
realizadas em grupo, de forma conjunta, oferecem enormes vantagens,
que
não estão disponíveis em ambientes de aprendizagem
individualizada. O
autor
explica que a constituição dos sujeitos, assim como seu aprendizado
e seus
processos
de pensamento (intrapsicológicos), ocorrem mediados pela relação
com
outras pessoas (processos interpsicológicos). Elas produzem modelos
referenciais
que servem de base para nossos comportamentos e raciocínios,
assim
como para os significados que damos às coisas e pessoas. Nesse
sentido,
Álvares
e Del Rio (1996) consideram que quem aprende “toma emprestado”,
paulatinamente,
tais modelos de seus interlocutores mais capacitados, podendo
Educar,
Curitiba, n. 31, p. 213-230, 2008. Editora UFPR
215Damiani,
M. F. Entendendo o trabalho colaborativo...
assim
chegar a ultrapassar seus limites. Segundo Vygotsky (1998), a
imitação
constitui-se
em uma atividade essencial na aprendizagem. Ela promove o que
denominou
internalização – processo que se distingue da cópia porque
implica
em
uma reconstrução interna de operações externas, na qual o sujeito
desempe-
nha
um papel ativo e tem possibilidade de desenvolver algo novo. Em seu
livro
A
formação social da mente (1998), ele pergunta: “por acaso é de
se duvidar que
[...],
através da imitação dos adultos e através da instrução recebida
de como
agir,
a criança desenvolve um repositório completo de habilidades?” (p.
110)
A
idéia a respeito do caráter eminentemente social da consciência
humana,
como
afirmam inúmeros pesquisadores pós-vygotskianos, pode ser também
en-
contrada
nos trabalhos de um outro russo, contemporâneo de Vygotsky: Bakhtin
(1986).
Freitas (1997) explica que ambos os autores concebiam a vida mental
(consciência)
como mediada principalmente pela linguagem (entre outros siste-
mas
de signos, considerados como ferramentas mentais), que é o que
diferencia
os
seres humanos dos animais. Para os dois teóricos, todo signo é um
fenômeno
exterior,
criado em terreno interindividual, no curso de interações sociais.
O
signo
tem função geradora e organizadora dos processos psicológicos, já
que a
experiência
alheia somente pode ser assimilada por meio da comunicação. Para
detalhar
melhor essa idéia, Freitas (1997, p.320) explica que:
O
outro é, portanto, imprescindível tanto para Bakhtin como para
Vygotsky.
Sem
ele o homem não mergulha no mundo sígnico, não penetra na
corrente
da
linguagem, não se desenvolve, não realiza aprendizagens, não
ascende
às
funções psíquicas superiores, não forma a sua consciência, enfim
não
se
constitui como sujeito. O outro é peça importante e indispensável
de
todo
o processo dialógico que permeia ambas as teorias. (FREITAS,
1997,
p. 320)
Bakhtin
(1986) explicava que as palavras que se usam não provêm de
um
dicionário, mas sim de outras pessoas. Ele acreditava que as pessoas
de-
senvolvem,
inicialmente, um processo de “ventriloquismo”, isto é, “falam
pela
boca
dos outros”, para depois apossar-se das palavras utilizadas e
imprimir-lhes
seu
próprio “sotaque”, adaptando-as a seus sentidos e intenções
expressivas
particulares.
A
importância da imitação para a aprendizagem também fica clara na
discussão
do conceito de “Zona de Desenvolvimento Proximal” (ZDP), criado
por
Vygotsky (1998). O autor escreveu que aquilo que uma criança pode
realizar
216
Educar,
Curitiba, n. 31, p. 213-230, 2008. Editora UFPRDamiani, M. F.
Entendendo o trabalho colaborativo...
hoje
somente com ajuda, ou em colaboração, amanhã poderá realizar
sozinha,
de
maneira independente e eficiente. A ZDP seria, então, a área onde
estão esses
conhecimentos/essas
habilidades que têm potencial para ser internalizados/
desenvolvidos
por meio da mediação de outros seres humanos ou de artefatos
culturais.
Embora Vygotsky estivesse teorizando acerca do desenvolvimento
da
mente infantil quando escreveu sobre a ZDP, acredita-se que tal
conceito se
aplique
a todos os seres humanos, de qualquer idade.
Engeström
(1994) argumenta que o ato de pensar está aninhado em ativi-
dades
socialmente organizadas e historicamente formadas, apresentando,
assim,
um
caráter interativo, dialógico e argumentativo. Lave e Wenger
(1991), que
estudam
os processos de aprendizagem em situações não-formais, descrevem
o
que
ocorre no que denominam comunidades de prática – grupos que formam
uma
entidade
social e estão envolvidos em empreendimentos conjuntos. Os autores
(2002)
afirmam que é pelo engajamento em atividades cotidianas,
desenvolvidas
em
seu grupo de trabalho, que ocorre a produção, transformação e
mudança na
identidade
das pessoas, em seu conhecimento e em suas habilidades práticas.
Desenvolvendo
mais essa idéia, Schaffer (2004) explica que, pela participação
em
comunidades de prática, os indivíduos internalizam as normas, os
hábitos,
as
expectativas, as habilidades e os entendimentos dessas comunidades
(como,
por
exemplo, as comunidades profissionais), que apresentam maneiras
singulares
de
conhecer, decidir o que é importante saber e entender a realidade.
Na
revisão que realizaram sobre os mecanismos que atuam para poten-
cializar
as aprendizagens em ambientes de colaboração, Jeong e Chi (1997)
relatam
que pesquisas realizadas nas áreas da Antropologia, Lingüística e
Ciência
Organizacional sugerem que as pessoas passam a compartilhar memó-
rias,
conhecimentos, ou modelos mentais como resultado do trabalho em
conjun-
to.
Dessa forma, atingem significados e representações comuns,
possivelmente
mais
complexos e ricos do que aqueles elaborados individualmente. A
respeito
desse
aspecto, também Salomon e Perkins (1998) salientam a possibilidade
de
“objetivação”
(p.4) dos pensamentos, das idéias ainda em formação, que ocorre
no
trabalho colaborativo. Tais pensamentos e idéias, quando comunicados
e
compartilhados,
podem ser discutidos, examinados e aperfeiçoados como se
fossem
objetos externos.
Wells
(2001), outro pesquisador que segue as idéias de Vygotsky, descreve
o
que ocorre entre pessoas que tentam resolver um problema
significativo para
todos
e estabelecem um diálogo no qual soluções são propostas,
ampliadas, mo-
dificadas
ou contrapostas. A isso ele chama de co-construção do
conhecimento,
considerando-a
como parte essencial do processo de aprendizagem.
Educar,
Curitiba, n. 31, p. 213-230, 2008. Editora UFPR
217Damiani,
M. F. Entendendo o trabalho colaborativo...
A
importância do trabalho colaborativo entre professores
As
tentativas de minimizar os índices de reprovação e manter todos os
jovens
nas
escolas, juntamente com as políticas relacionadas à inclusão de
alunos com
necessidades
especiais nas redes regulares, têm criado uma série de
dificuldades
às
instituições e aos docentes. Esse tipo de situação pode criar,
nos professores, es-
tados
de ansiedade e esgotamento profissional (CODO, 1999; ARAÚJO, 2003).
Ao
tratar dos problemas engendrados pelas dificuldades do trabalho es-
colar,
Parrilla e Daniels (2004, p.10-11) comentam que elas levam os
docentes
a
se sentirem carentes de apoio, o que pode resultar na falta de
iniciativa para
encontrar
soluções novas para os problemas, com a conseqüente adoção de
prá-
ticas
corriqueiras, sem esperanças de que funcionem. Essa descrição,
embora se
refira
ao sistema de educação espanhol, parece adequada também à
realidade das
escolas
brasileiras.
Norwich
e Daniels (1997) propõem que se analise a forma de enfrentar as
dificuldades
do trabalho docente a partir de dois parâmetros principais comple-
mentares
e inter-relacionados: engajamento ativo, que se refere à maneira
pela
qual
os professores tentam proporcionar, a todos, oportunidades de
aprendizagem
de
boa qualidade; e nível de tolerância, que diz respeito aos limites
dos desafios
que
os professores conseguem enfrentar. Daniels (2000) argumenta que as
culturas
de
trabalho colaborativo são importantes ambientes para a promoção de
trocas
de
experiência e, conseqüentemente, de aprendizagens, promovendo
incremento
nesses
parâmetros. Segundo Araújo (2004), quando o que denomina “cultura
de
coletividade”
é instaurada, as pessoas nela envolvidas passam a reconhecer o que
sabem,
o que os outros sabem e o que todos não sabem - atitudes que
resultam na
busca
de superação dos limites do grupo. Nono e Mizukami (2001) salientam
a
importância
do compartilhamento de experiências entre professores, explicando
que
pode favorecer o desenvolvimento da destreza na análise crítica, na
resolução
de
problemas e na tomada de decisões.
A
partir do que foi exposto, pode-se pensar que o trabalho
colaborativo
entre
professores apresenta potencial para enriquecer sua maneira de
pensar,
agir
e resolver problemas, criando possibilidades de sucesso à difícil
tarefa pe-
dagógica.
Esse tipo de trabalho vem sendo considerado importante a ponto de
Hargreaves,
citado por Engeström (1994, p.45), afirmar que ele pode “modificar
radicalmente
a natureza do pensamento do professor”. Entretanto, ao longo da
218
Educar,
Curitiba, n. 31, p. 213-230, 2008. Editora UFPRDamiani, M. F.
Entendendo o trabalho colaborativo...
história,
os professores vêm trabalhando individualmente e essa tendência
parece
não
ter mudado.
Engeström
(1994) – da Finlândia – Hargreaves (1998) e Fullan e Hargre-
aves
(2000) – do Canadá – e Thurler (2001) – da Suíça descrevem a
profissão
docente
como solitária. Fullan e Hargreaves (2000) sugerem que o isolamento
docente
tem raízes em fatores como a arquitetura das escolas, a estrutura
dos
seus
horários, a sobrecarga de trabalho e a própria história da
profissão docente.
Essa
idéia é também corroborada por Engeström (1994) e por Pimenta
(2005)
– esta
se referindo ao nosso país.
Os
professores das escolas brasileiras, como comenta Martins (2002),
estão,
na maior parte do tempo, dispersos. Há momentos de organização,
como
nos
encontros nas salas de professores, nos conselhos de classe, nos
grupos que
trabalham
com as mesmas disciplinas ou nos horários de trabalho pedagógico
coletivo.
Esses momentos, entretanto, acabam sendo utilizados muito mais para
a
realização de atividades burocráticas e resolução de problemas
emergenciais
do
que para criar “um espaço para reflexão, planejamento e
transformação de
sua
prática educacional em atividades humanizadoras para si mesmo e
para
seus
alunos” (p.233).
Em
meio a essas argumentações acerca das potencialidades positivas do
trabalho
colaborativo, no entanto, vale considerar as idéias de Góes (1997,
p.27),
que adverte:
o
jogo dialógico entre sujeitos não tende a uma só direção; ao
contrário,
envolve
circunscrição, ampliação, dispersão e estabilização de
sentidos.
Um
determinado conhecimento (pretendido, na intencionalidade do outro;
ou
previsto, na perspectiva de um observador) pode ou não ser
construído
pelo
indivíduo.(GÓES, 1997, p. 27)
Pensando
nisso, é importante observar que, ao valorizar o trabalho cola-
borativo,
não se nega a importância da atividade individual na docência.
Como
Fullan
e Hargreaves (2000, p. xi), defende-se a reconciliação dos dois
tipos de
atividades
– grupais e individuais – entendendo que qualquer delas, sem a
outra,
limita
o potencial de trabalho dos professores.
Educar,
Curitiba, n. 31, p. 213-230, 2008. Editora UFPR
219Damiani,
M. F. Entendendo o trabalho colaborativo...
O
que dizem as pesquisas sobre os efeitos do trabalho
colaborativo
entre professores
Creese,
Norwich e Daniels (1998), baseados em amplo estudo realizado na
Inglaterra,
apresentam evidências de que escolas em que predominam culturas
colaborativas
são mais inclusivas, isto é, apresentam menores taxas de evasão
e
formas mais efetivas de resolução de problemas dos estudantes.
Ilustrando
também
os benefícios de uma cultura escolar colaborativa, a investigação
de
Damiani
(2004; 2006) aponta para o bom desempenho de uma escola pública
municipal,
que investe nesse tipo de cultura há alguns anos. Essa escola
apresenta
baixos
índices de repetência e evasão entre seus estudantes (quando
comparada
com
as médias das escolas da cidade) e alto grau de satisfação e
investimento
em
formação continuada de seus docentes. Os trabalhos de Zanata (2004)
e
Loiola
(2005) são outros exemplos de investigações cujos achados indicam
que
o trabalho colaborativo entre docentes constitui-se em excelente
espaço de
aprendizagem,
permitindo a identificação de suas forças, fraquezas, dúvidas e
necessidades
de reconstrução, a socialização de conhecimentos, a formação
de
identidade
grupal e a transformação de suas práticas pedagógicas. Em
relação
à
formação continuada, Lacerda (2002) ressalta a diferença entre a
organizada
pelos
próprios professores, em conjunto, e a disponibilizada por meio de
cursos
organizados
por órgãos administrativos que, usualmente, não consideram os
professores
como produtores de conhecimento e são estruturados apenas como
fontes
de transmissão de informações. A pesquisadora, que escreve sobre
os
ganhos
resultantes de um grupo de estudos organizado por professoras
alfabe-
tizadoras,
acredita que todos os profissionais da educação, não obstante
suas
concepções,
trajetórias pessoais e conhecimentos, podem se organizar e gerir
seu
próprio processo de formação continuada. Essa idéia é confirmada
pelo
trabalho
de Rausch e Schlindwein, que também investigaram os efeitos das
discussões
grupais por professoras que visavam refletir sobre suas práticas.
As
autoras
explicam que:
220
Educar,
Curitiba, n. 31, p. 213-230, 2008. Editora UFPRDamiani, M. F.
Entendendo o trabalho colaborativo...
Para
que os professores ressignifiquem a sua prática é preciso que a
teorizem.
E este movimento de teorizar a prática não se efetiva somente
com
treinamentos, palestras, seminários, aulas expositivas, mas muito
mais,
quando há uma relação dinâmica com a prática deste professor
a
partir de uma reflexão coletiva, auto-reflexão, pensamento crítico
e
criativo,
via educação continuada. É preciso desencadear estratégias de
formação
processuais, coletivas, dinâmicas e contínuas. Refletir com os
demais
professores e compartilhar erros e acertos, negociar significados
e
confrontar pontos de vista surge como algo estimulador para uma
prática
pedagógica comprometida. (RAUSCH e SCHLINDWEIN, 2001,
p.
121).
A
esses resultados, podem-se acrescentar os obtidos por Santos (2006),
que
avalia os efeitos do trabalho de uma coordenadora pedagógica que
realiza
sua
prática de maneira participativa, incentivando o trabalho
colaborativo com
e
entre os professores de uma escola particular de idioma estrangeiro.
Os dados
dessa
pesquisa revelam que os professores da instituição valorizam o
trabalho
conjunto,
que, segundo informam, leva-os a se sentirem respeitados e valori-
zados,
assim como a desenvolver sua autonomia.
Com
o objetivo de iniciar professores em relação à utilização de
novas
tecnologias
de informação e comunicação (TICs) na Educação Especial, a
pesquisa
de Beck (2004) também presta testemunho à importância do trabalho
desenvolvido
por meio de discussões e atividades grupais. A autora argumenta
que
não basta ter computadores ligados à internet, por exemplo, para
garantir que
eles
serão efetivamente utilizados e incorporados na prática escolar. É
necessário
um
trabalho de reflexão coletiva para que essa mídia traga novos
elementos à,
já
bastante atribulada, vida do professor.
Os
benefícios dos grupos de discussão e do trabalho colaborativo
entre
professores
brasileiros, para a melhoria de sua autoconfiança e maior
efetivida-
de
de seu trabalho, também são evidenciados em trabalhos como os de
Passos
(1999),
Magalhães e Celani (2000), Dickel, Colussi, Bragagnolo e Andreolla
(2002),
Detsch e Gonçalves (2002) e Silva (2002).
Educar,
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221Damiani,
M. F. Entendendo o trabalho colaborativo...
O
trabalho colaborativo entre os estudantes
Os
benefícios das atividades colaborativas entre estudantes têm sido
res-
saltados,
da mesma forma que entre docentes, por diversos autores. Os
trabalhos
de
Coll Salvador (1994) e Colaço (2004) são exemplos dos que realizam
uma
análise
ampla dos efeitos desse tipo de atividade entre estudantes. Esses
autores
apontam
ganhos em termos de: 1) socialização (o que inclui aprendizagem de
modalidades
comunicacionais e de convivência), controle dos impulsos agres-
sivos,
adaptação às normas estabelecidas (incluindo a aprendizagem
relativa
ao
desempenho de papéis sociais) e superação do egocentrismo (por
meio da
relativização
progressiva do ponto de vista próprio); 2) aquisição de aptidões
e
habilidades
(incluindo melhoras no rendimento escolar); e 3) aumento do nível
de
aspiração escolar.
Nos
Estados Unidos da América, o North Central Region Education Labo-
ratory
vem desenvolvendo estudos sobre a sala de aula colaborativa. O
trabalho
de
Tinzman, Jones, Fennimore et al. (1990), que participam de tal
instituição,
salienta
as vantagens das atividades compartilhadas, afirmando que tanto a
co-
municação
quanto a colaboração são aspectos essenciais para que uma pessoa
se
torne
um aprendiz bem-sucedido. Segundo Forman e McPhail (1993), a escola
não
oportuniza às crianças ocasiões nas quais possam exercitar suas
habilida-
des
comunicativas: os estudantes, usualmente, na sala de aula, ficam
restritos a
responder
as perguntas feitas pelos professores. As autoras observam que tra-
balho
colaborativo entre estudantes, quando envolvem a solução de
problemas,
possibilita-lhes
fazer uso efetivo desses registros, pois necessitam se engajar em
argumentações
lógicas, expor idéias para trabalhar conjuntamente.
Colaço
(2004) observa que as crianças, ao trabalharem juntas, “orientam,
apoiam,
dão respostas e inclusive avaliam e corrigem a atividade do colega,
com
o
qual dividem a parceria do trabalho, assumindo posturas e gêneros
discursivos
semelhantes
aos do professor” (2004, p.339). Isso leva a perceber a importân-
cia
de o professor tanto estimular seus estudantes a trabalhar em grupo
quanto
fornecer-lhes
um modelo interativo que leve ao compartilhamento de idéias e
não
à intervenção autoritária e diretiva, que ocorre quando um
estudante apenas
corrige
o trabalho do colega, como observa Moysés (1997). Assim, parece que
o
professor desempenha papel importante na promoção de benefícios do
traba-
lho
em grupo entre seus estudantes, tanto servindo como modelo de
interação
quanto
organizando grupos de estudantes que possam tornar o trabalho
frutífero
(MARTINS,
2002). A preocupação com a composição dos grupos justifica-se
porque
nem sempre uma interação entre pares com diferentes graus de
adian-
222
Educar,
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Entendendo o trabalho colaborativo...
tamento
provocará o desenvolvimento do membro menos avançado, como
adverte
Tudge (1996). Pode haver, também, uma regressão do mais adiantado,
se
este não tiver suficiente autoconfiança para valorizar e fazer
predominar seus
conhecimentos.
O
que dizem as pesquisas sobre os efeitos do trabalho
colaborativo
entre estudantes
A
investigação de Jeong e Chi (1997) sugere que pares de estudantes
universitários,
após estudo conjunto sobre conceitos de Biologia, passaram a
compartilhar
modelos mentais e conhecimentos, avançando em sua compre-
ensão
do assunto tratado em aula. O favorecimento de aprendizagens em uma
disciplina
do Curso de Pedagogia, assim como no desenvolvimento do estágio
curricular,
realizado em duplas, também foi verificado por Damiani (2006). Essa
investigação
aponta o valor das constantes interações entre pares para a
criação
de
questionamentos sobre as estruturas de conhecimentos já adquiridos,
assim
como
para a exposição a diferentes raciocínios e comportamentos que
podem
ser
apropriados por meio da imitação criativa e não-reprodutiva,
enriquecendo
o
repertório de pensamento e a ação dos estudantes. Da mesma forma,
Barros,
Remold,
da Silva e Tagliati (2004) reportam ganhos significativos, em termos
de
compreensão conceitual e entusiasmo em relação à aprendizagem,
obtidos
por
meio de discussões grupais de alunos de um curso de graduação em
Física.
Segundo
os autores, um número significativo de alunos expressou o desejo de
que
essas
atividades fossem estendidas para outras disciplinas e passou a
utilizá-las
também
fora do contexto de aula, o que raramente ocorria em semestres ante-
riores.
Resultados semelhantes encontram-se na dissertação de Garcia
(2006),
que
avaliou o trabalho desenvolvido por pares de estudantes de curso
técnico
em
eletrônica, ao desenvolver projeto conjunto de construção de
equipamentos.
A
pesquisa evidenciou aumento de motivação e de aprendizagens
significativas
que
se ampliaram para além dos conteúdos escolares. Professores e
estudantes
enfatizaram
a importância das atividades colaborativas desenvolvidas tanto
para
essas aprendizagens como para o desenvolvimento de autonomia na a
resolução
de problemas.
Em
relação às atividades de aprendizagem colaborativa entre
crianças,
encontramos,
nos trabalhos de Leal e Luz (2001) e Pessoa (2002), evidências
relevantes
acerca dos benefícios por elas proporcionados. O primeiro trabalho
está
voltado para a atividade de composição de textos por pares de
estudantes
Educar,
Curitiba, n. 31, p. 213-230, 2008. Editora UFPR
223Damiani,
M. F. Entendendo o trabalho colaborativo...
do
ensino fundamental, constatando que esse tipo de trabalho favorece a
tomada
de
consciência de decisões sobre a escrita, desautomatizando-a e
melhorando
sua
qualidade. O segundo trabalho, ao analisar o papel da atividade em
duplas
para
a superação de dificuldades relativas à resolução de problemas
em aulas
de
Matemática, sugere um decréscimo no percentual de erros entre o pré
e o
pós-teste,
tendo as crianças passado a criar diferentes estratégias para
superar
as
dificuldades, a partir das discussões com os companheiros
(estratégias essas
que,
mais tarde, passaram a ser utilizadas nos trabalhos individuais). A
pesquisa
de
Carvalho (2006), por seu turno, mostra a possibilidade da construção
de
aulas
de Educação Física colaborativas, indo de encontro ao clima
competitivo
geralmente
existente nessa disciplina. A pesquisadora/professora desenvolveu,
com
os alunos, atividades desportivas modificadas, em que a inclusão de
todos
era
o objetivo principal. Para isso, as regras dos desportos foram
adaptadas,
criando
uma cultura de solidariedade e participação entre os estudantes de
5a
série
do ensino fundamental. Os dados mostram que os alunos passaram a
per-
ceber
a importância dos jogos colaborativos para a inclusão de todos os
colegas,
tendo
uma atitude crítica em relação a atividades competitivas
desenvolvidas
em
outras disciplinas.
Benefícios
das interações entre estudantes, em seus processos de apren-
dizagem,
são igualmente ilustrados nos trabalho de Candela (2000) e López
de
Lara
(2000), do México, e de Ambrosetti (1999), do Brasil.
Comentários
conclusivos
Neste
estudo, pretendeu-se argumentar a favor do desenvolvimento de
atividades
colaborativas entre professores e entre estudantes sem, no entanto,
propor
– da mesma forma que Martins, em seu texto sobre a temática – “a
misti-
ficação
das atividades grupais na sala de aula e nos espaços escolares”
(2002, p.
234),
considerando-as como a panacéia para os problemas da Educação.
Visou-se
agregar
e dar visibilidade a um conjunto de evidências, que se vêm
acumulando
na
literatura, sobre a importante contribuição do trabalho
colaborativo para essa
área
de atividade humana. A revisão das investigações acerca do
trabalho colabo-
rativo
– em suas diferentes formas – assim como o entendimento do
processo que
o
sustenta sugerem que esse tipo de atividade apresenta potencial para
auxiliar
no
enfrentamento dos sérios desafios propostos pela escola atual em
nosso país.
A
literatura indica que o desenvolvimento de atividades de maneira
colegiada
pode
criar um ambiente rico em aprendizagens acadêmicas e sociais tanto
para
224
Educar,
Curitiba, n. 31, p. 213-230, 2008. Editora UFPRDamiani, M. F.
Entendendo o trabalho colaborativo...
estudantes
como para professores, assim como proporcionar a estes um maior de
grau
de satisfação profissional. O trabalho colaborativo possibilita,
além disso,
o
resgate de valores como o compartilhamento e a solidariedade – que
se foram
perdendo
ao longo do caminho trilhado por nossa sociedade, extremamente com-
petitiva
e individualista. Como argumenta Naura Ferreira (2003, p.134),
“juntamos
trabalhos”
ao invés de trabalharmos juntos, e isso se aplica, de maneira
intensa,
às
instituições escolares, nas quais tanto as atividades pedagógicas
quanto as
administrativas
são, usualmente, realizadas de maneira individual.
Embora
o espaço aqui disponível não permitisse que toda a riqueza de
pos-
sibilidades
oferecidas pelo trabalho colaborativo fosse revelada, acredita-se
que
as
evidências apresentadas são suficientes para afirmar que esse tipo
de trabalho é
importante
e deve, portanto, ser entendido e discutido tanto nos cursos de
formação
inicial
quanto nos programas de formação continuada de docentes.
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230
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